América Latina perdeu nove democracias plenas nos últimos anos, incluindo Brasil, aponta estudo

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América Latina perdeu nove democracias plenas nos últimos anos, incluindo Brasil, aponta estudo

 

Deterioração mais acentuada aconteceu em Venezuela, Nicarágua, Cuba, El Salvador, Brasil e Haiti; Uruguai pode ser considerado o único regime democrático pleno da região

Porto Velho, RO
 - Os especialistas coincidem e as pesquisas mais recentes confirmam: a democracia sofreu retrocessos nos últimos anos na América Latina, e hoje são poucos os países que podem ser considerados plenamente democráticos na região. A deterioração mais acentuada, apontaram analistas ouvidos pelo GLOBO, aconteceu em Venezuela, Nicarágua, Cuba, El Salvador, Brasil e no Haiti, que hoje está à beira da anarquia social e política.

Na hora de diferenciar categorias de qualidade democrática, Daniel Zovatto, diretor regional para a América Latina e o Caribe do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA Internacional), aponta uma tendência que considera preocupante:

— Nos últimos 15 anos, perdemos nove democracias. Seis passaram a ser regimes híbridos e três se tornaram regimes autoritários.

Para Zovatto, a única democracia plena na região é o Uruguai. Outros nove países — Argentina, Brasil, Costa Rica, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Panamá e República Dominicana — são consideradas democracias imperfeitas, com variações, pelo IDEA. 

O especialista explica que nessa categoria estão países cujos governos foram eleitos democraticamente, mas que exibem distorções no exercício do poder, por exemplo, falta de independência do Judiciário.

Corrosão no Brasil

Já os seis regimes considerados híbridos — Honduras, Guatemala, El Salvador, Bolívia, Paraguai e México — têm legitimidade de origem, mas na gestão ultrapassam limites do sistema democrático e correm o risco, alguns mais do que outros, de virarem regimes autoritários. Finalmente, os quatro governos considerados autoritários na América Latina são Venezuela, Nicarágua, Cuba e Haiti.

— Trabalhamos com os relatórios elaborados por The Economist, Instituto Variedades da Democracia (V-Dem), Freedom House e o próprio IDEA Internacional. A Costa Rica, por exemplo, é considerada uma democracia plena pela Economist, como o Uruguai, mas o novo presidente [o economista antiestablishment Rodrigo Chaves] vem adotando um perfil populista. Na nossa avaliação, já saiu dessa categoria — afirma Zovatto, para quem “o Brasil viveu um dos processos de maior corrosão e deterioração da democracia na região”.

O argentino Mario Riorda, presidente da Associação Latino-americana de Pesquisadores em Campanhas Eleitorais (Alice, na sigla em espanhol) e diretor do mestrado de Comunicação Política da Universidade Austral, concorda com o diagnóstico e costuma dizer que no Brasil e em vários países da região “a democracia está estressada”.

— Esse estresse se explica pela falta de respostas às demandas das sociedades. Em duas décadas e meia, os principais problemas de quase todos os países continuam sendo pobreza, corrupção, inflação e insegurança — afirma Riorda, que assessora governos, partidos e políticos em vários países latino-americanos.

A sucessão de revoltas sociais que começou em 2019 no Chile, frisa o especialista argentino, foi um alerta que não pode ser ignorado pelas elites políticas e econômicas que, segundo Riorda, estão desconectadas de grandes setores da população. 

Os protestos se espalharam por Colômbia, Bolívia, Equador, Argentina — onde não se fala em risco de uma virada autoritária, mas se vive em permanente tensão institucional — e Peru. O que se pode esperar para os próximos tempos?

— Instituições ameaçadas, partidos políticos tradicionais em crise e concentração de poder em governos hiperpresidencialistas, de perfil autoritário, mas que mantêm uma fachada democrática — responde Riorda.

El Salvador e México

O exemplo mais citado nos últimos temos é o do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, eleito em 2019 e que desde março governa um país em estado de exceção, no qual já foram presas mais de 50 mil pessoas que não tiveram o direito ao devido processo. Com o argumento de combater gangues criminosas, Bukele lotou as prisões do país e, segundo organizações de defesa dos direitos humanos, está cometendo abusos gravíssimos.

Apesar da proibição constitucional que vigora no país, o salvadorenho, amparado por uma decisão do Judiciário, que é controlado pelo Executivo, anunciou sua decisão de disputar a reeleição em 2023. Com uma população que parece querer ordem a qualquer preço, Bukele tem uma aprovação que vai de 70% a 80%.

No México, o governo de Andrés Manuel López Obrador também é observado com preocupação por analistas que monitoram a democracia na região. A proximidade do chefe de Estado com as Forças Armadas e seu perfil populista são vistos como elementos que diminuem a qualidade da democracia mexicana.

Em países como Chile e Peru, o estado de alerta está relacionado a duas tendências simultâneas: crise dos partidos tradicionais e desgaste vertiginoso da popularidade de seus presidentes.

— No começo deste século, a média de popularidade dos presidentes era de 60%. Hoje, está em 30% e temos chefes de Estado beirando os 10% — exemplifica Riorda.

O especialista argentino lembra que, nas últimas eleições presidenciais no Chile e na Colômbia, o segundo turno foi disputado por candidatos que não pertenciam aos partidos históricos. No caso colombiano, o fenômeno Rodolfo Hernández — o chamado candidato do TikTok — causou extrema preocupação.

— Estes fenômenos conseguem consensos precários, e podem desaparecer rápido se as demandas da sociedade não são atendidas. Com os partidos políticos que operam dentro do sistema existe uma maior estabilidade e capacidade de negociar — analisa Riorda.

Na visão de Isabel Aninat, reitora da Faculdade de Direito da Universidade Adolfo Ibáñez, no Chile, “o grande desafio hoje é que as pessoas continuem achando que a democracia é o melhor sistema de governo que existe”.

— Na pós-pandemia, todos os países latino-americanos enfrentam crises econômicas e demandas intensas, que pressionam os sistemas políticos. As pessoas confiam menos nos partidos e é preciso trabalhar nisso — diz.


Fonte: O GLOBO

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