Carne na brasa e chope gelado marcam lançamento de fuzil nacional

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Carne na brasa e chope gelado marcam lançamento de fuzil nacional


Lançamento de nova arma nacional tem evento cheio em loja paulistana

Porto Velho, RO - Recebi pelo WhatsApp um convite para uma festa na loja de armas Mahrte, na Chácara Klabin (zona sul da capital), neste sábado (14). Ensolarado como o dia estava, não titubeei. A mensagem anunciava ainda carne na brasa, chope gelado e música ao vivo, com uma dupla sertaneja e duas bandas de inspiração do meio oeste americano.

Às 13h, a atração principal: fuzis a pronta entrega. E não era qualquer fuzil não. Eram os misteriosos Fire Eagle, objetos de muitos rumores entre o povo do gatilho nos últimos tempos.

Apesar do nome em inglês, a Fire Eagle é uma nova empresa nacional e esses dois fuzis são os primeiros modelos que saem da sua fábrica em Esteio (RS). Seu site diz: "Armas e acessórios de qualidade extrema, com DNA 100% brasileiro. Estamos chegando."

Pois já chegaram e estão na minha frente. Preço promocional de lançamento: R$ 19.900, divididos em dez vezes no cartão, não importa qual dos dois modelos.

E, como já disse, você sai daqui com seu fuzil hoje mesmo. Mas tem uma condição: é preciso ter registro CAC, ou seja, ser colecionador, atirador esportivo ou caçador. Para comprar uma pistola ou revólver, o processo é mais simples.

Os novos FE-115 e FE-145, com canos de 11,5 e 14,5 polegadas, respectivamente, totalmente negros, causam certa comoção ao serem apresentados.

Na minha frente, um casal parece abismado com as peças. Ele, estilo motoqueiro de Harley com gel no cabelo, ela de cabelo pintado de loiro e vestido preto. Eles manuseiam os fuzis enquanto enumeram suas qualidades. "Esconde o cartão porque, se não, vai dar ruim", ele brinca com ela.

Outros curiosos fazem perguntas, eu pego um fuzil para examinar. Acho pesado, apesar de outros possíveis compradores terem dito o oposto. O peso, esclarece o fabricante, é de aproximadamente três quilos. Peço para um irmão de armas tirar uma foto minha em ação. Ele o faz. Agradeço.


O repórter Ivan Finotti examina o fuzil Fire Eagle na loja de armas Marhte - Acervo Pessoal

Esse fuzil é um semiautomático, o que significa que, depois do primeiro tiro sair, a arma sozinha coloca um novo projétil na câmara pronto para ser disparado novamente. Basta ficar apertando o gatilho sem parar até que a munição acabe. O semiautomático é o máximo que a lei permite para o cidadão de bem.

Já com o fuzil automático, proibidão, se você apertar o gatilho e não soltar, o bicho vira uma metralhadora, disparando as trinta balas do cartucho em menos de três segundos.

O comércio de fuzis para a população era proibido no Brasil antes do presidente Jair Bolsonaro (PL). "Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado", disse o cara, em agosto do ano passado.

Seu governo, aliás, já produziu pelo menos 38 documentos facilitando a armação dos "cidadãos de bem", que é como o pessoal da direita radical chama a si próprio. Foram 15 decretos presidenciais, 19 portarias, dois projetos de lei e duas resoluções. A venda de munições para quem tem CAC dobrou no ano passado.

No dia 7 de maio, o presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que aumenta acesso ao porte de armas no país; em 15 de janeiro, num dos seus p Pedro Ladeira - 7.mai.2019/FolhapressMAIS

Por causa de todo esse contexto, confesso que, ao chegar ao lançamento dos Fire Eagle, imaginei estar adentrando o ninho da serpente.

Achei que ia ouvir sobre táticas de milícia para tomar o poder se a eleição der ruim. Imaginei que iriam me ensinar a desrespeitar um juiz do Supremo e dar dicas de como caçar um artista ou apavorar um professor. Pensei que as bandas da festa iam tocar hinos militares conclamando à revolução. Mas não teve nada disso, não.


Família de machados de tamanhos variados - Ivan Finotti / Folhapress

Talvez, se eu não tivesse me disfarçado com minha camiseta camuflada, estilo Rambo, e tivesse preferido meu moletom vermelho da União Soviética, com foice e martelo amarelos, as reações poderiam ter sido diferentes. Será que eles deixariam um suposto comunista tocar numa Fire Eagle?

Na saída, parei para admirar as prateleiras da loja. Socos ingleses, sprays de defesa pessoal, ganchos variados, arcos de flecha, luvas de todos os tipos. Botas, calças cargo, bonés camuflados, caixas de metal para armazenar cartuchos, uma família de machados que começa no bebê machado e cresce até o papai machado.

Um produto me chamou a atenção: são bastões de beisebol, mas não para rebater bolas. São bastões de beisebol feitos para machucar pessoas. Como posso saber disso? Lendo as palavras escritas em cada um: "Amansa Loco", "Respeito" e "Direitos Humanos". O pior era o que estava escrito "Diálogo".


Bastões de beisebol com escritos como "Diálogo" - Ivan Finotti/Folhapress

Fonte: Folha de São Paulo


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