ENERGIA NUCLEAR - De vilã a fonte “verde”: Brasil retoma projeto de energia nuclear

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ENERGIA NUCLEAR - De vilã a fonte “verde”: Brasil retoma projeto de energia nuclear

Assim como em outros países do mundo, projeto nuclear volta a ganhar força como alternativa para fugir da solução fóssil; financiamento e impacto no meio ambiente são questionados


O Brasil, tendo à frente o ministério de Minas e Energia (MME), já tomou sua decisão. A energia nuclear, como provam os planos para a construção da usina Angra 3 e o anúncio da construção de uma nova usina, é uma realidade que está no planejamento do governo para as próximas décadas. Pelo menos, até 2050, como mostra o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050).

Enquanto isso, em outros países, em um contexto onde os preços da energia estão em alta e as mudanças climáticas obrigam todos a deixar o mundo do petróleo e do carvão, o assunto causa divisão.

Apesar disso, muitos já falam em uma nova era nuclear, sem nenhuma conotação militar atrelada à expressão – embora exista, no Brasil, o plano de lançar ao mar um submarino nuclear em 2033, numa previsão otimista.

Nos Estados Unidos, os 90 reatores nucleares em operação produziram um quinto da energia do país em 2020. E os planos de expansão estão sobre a mesa. Na Europa, a França, onde a energia nuclear sempre foi muito importante e é responsável por 61% da produção energética nacional, continua até tentando influenciar o bloco europeu a rotular a energia nuclear como verde – o que facilitaria as linhas de investimentos que se voltam cada vez mais para um mundo com menos carbono.


Até na Alemanha o debate voltou. Os germânicos decidiram abandonar novos investimentos do setor. Algumas usinas serão desligadas em meses e outras nos próximos anos. O país, que tem por volta de 50% da sua matriz energética centrada em fontes renováveis, gera 11% da demanda anual em reatores nucleares.


Mas o debate não está totalmente encerrado. Pesquisas recentes feitas com a opinião pública mostram que um terço da população aceitaria manter as usinas nucleares funcionando se fosse para reduzir o preço da energia.


Mesmo no Japão, uma década depois do desastre de dez anos atrás, a energia nuclear está sendo incentivada. Em 11 de março de 2011, um terremoto seguido de tsunami atingiu a usina nuclear em Fukushima, desencadeado um dos maiores acidentes nucleares da história. Todos os eventos geraram a morte ou desaparecimento de 18,5 mil pessoas. Mais de 35 mil pessoas, depois de mais de uma década, não conseguiram voltar para suas casas por causa do risco de contaminação radioativa.


Ainda assim, essa fonte de energia ressurge como alternativa. “A energia nuclear é parte da solução para o grave problema da emissão de gases causadores de efeito estufa pela geração de eletricidade com combustíveis fósseis, contribuindo para sérias mudanças climáticas”, defende Aquilino Senra, físico e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde os anos 1970.


Segundo o pesquisador, a relação custo e benefício a favor das fontes nucleares é totalmente justificada. E elas estão ressurgindo como opção de energia limpa principalmente por causa dos debates sobre o futuro do planeta, como os que estão ocorrendo em Glasgow, durante a COP26, a reunião anual da Conferência das Partes das Nações Unidas.


“Há atualmente 50 usinas nucleares sendo construídas em todo o mundo. O Brasil, apesar de ter uma matriz energética bastante limpa, baseada principalmente na geração hidrelétrica, deve decidir pela expansão da geração nuclear, para que possa enfrentar futuras crises hídricas com uma fonte de energia não intermitente.”


Em linhas gerais, de acordo com o explicado em nota à CNN pelo Ministério de Minas e Energia, o plano brasileiro para energia nuclear está centrado em duas frentes. O PNE 2050, sem dar muitos detalhes sobre quantas novas usinas serão feitas, estima uma expansão entre 8 e 10 Gigawatts de energia nuclear nos próximos 30 anos (entre 4 a 5 vezes mais do que geram Angra 1 e 2, usinas responsáveis por 1,1% da matriz energética brasileira ou 30% de toda a demanda do Rio de Janeiro).


Durante a abertura da reunião anual da Associação Brasileira para Atividades Nucleares, no início do mês, o ministro Bento Albuquerque surpreendeu o setor ao anunciar que uma quarta usina nuclear será construída no Brasil.


“Além da conclusão de Angra 3, em 2026 ou 2027, está prevista no plano uma nova usina nuclear no Brasil. Para isso o Ministério de Minas e Energia , a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] e o Cepel [Centro de Pesquisas de Energia Elétrica] já deram início a estudos complementares para novos sítios nucleares no Brasil”, disse Albuquerque. O ministro fez referência ao Plano Decenal de Energia 2031 que deverá ser publicado no ano que vem.




Ampliação do complexo Angra


O segundo conjunto de intenções é construir a usina de Angra 3 e ampliar a vida útil de Angra 1, também instalada na costa verde fluminense.


O governo afirma que a previsão para Angra 3 entrar em operação é 2027, a um custo estimado de R$ 20 bilhões. O empreendimento encontra-se em fase final da modelagem pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“A construção da usina nuclear Angra 3 está com mais de 60% do projeto executado. Sua conclusão, pelos aspectos financeiros, é plenamente justificada. A descontinuidade da construção implicaria no desmonte da estrutura existente, pagamento de multas contratuais e a desativação completa do canteiro de obras. Portanto, haveria necessidade de arcar com enorme prejuízo”, diz Senra, cientista da Coppe/UFRJ.


Ele acrescenta que, quanto aos aspectos energéticos, também é justificada a conclusão da obra. “Se a usina nuclear Angra 3 já estivesse em operação, a crise hídrica que assola o país teria impacto reduzido no fornecimento e no custo da eletricidade para o consumidor”, afirma.


Em relação à Angra 1, está em curso o pedido para extensão de sua vida útil em mais 20 anos, informa o ministério por meio de nota. De acordo com o governo, a recalibração de reatores nucleares é algo que vem sendo feito no mundo todo.


Por um lado, por causa do desenvolvimento tecnológico – novos materiais e técnicas podem dar segurança para as usinas por mais tempo em relação àquilo que elas foram projetadas na segunda metade do século passado. De outro, pelos padrões rigorosos do período da construção. O prazo de operação do licenciamento inicial, da época da inauguração, poderia ser ampliado dentro de algumas condições.


Especialistas confirmam que a extensão de operação é algo corriqueiro no mundo, mas avaliam que cada caso é um caso, e todos precisam seguir protocolos rígidos. Pelos dados do governo federal, os Estados Unidos, por exemplo, esticaram recentemente a operação de mais de 70 usinas nucleares. Na maioria dos casos, a vida útil passou de 40 para 60 anos. Na França isso também está ocorrendo.


Em relação à Angra 2, segundo o MME, existe um plano para implementar um Programa Integrado de Gestão do Envelhecimento de Sistemas, Estruturas e Componentes. Ainda não há previsão de extensão da vida útil dos reatores.


A Usina de Angra 1 é de 1985 e, inicialmente, deveria funcionar por 40 anos, portanto, até 2024. Mas se o pedido do governo para extensão do prazo até 2044 não for concedido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), apenas Angra 2 continuará em ação – o que faria com que a usina, que pode funcionar até 2026, se tornasse a única a gerar energia nuclear no Brasil.


Apenas a partir de 2027, se os planos se confirmarem, é que os reatores de Angra 3 entrariam em ação. As obras desta usina começaram em 1984 e foram paradas em 2015, por causa de desvios apontados pela Operação Lava Jato.


O consórcio Angra Eurobras NES, vencedor da concorrência para estruturação do projeto de retomada e término das obras de Angra 3, anunciou que vai apresentar até o fim do ano um estudo sobre o estado da obra até agora e o que também precisará ser feito.


A licitação para o início das novas obras também já foi feita. A terceira usina a ser feita na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), nome oficial das instalações, deverá ter 1.405 megawatts (MW) de potência instalada e aproximadamente 82 mil metros quadrados (m²) de área construída.


O consórcio Angra Eurobras NES tem como líder a Tractebel Engineering Ltda. Além da construção e aperfeiçoamento do parque nuclear de Angra, o recente protocolo de cooperação nuclear com a gigante russa Rosatom também ajuda a corroborar a aposta da gestão Bolsonaro no universo nuclear.


O governo defende que a energia nuclear é importante para diversificar a matriz energética brasileira, principalmente as chamadas de base, que sustentam a rede independentemente da situação. Além disso, ela também será essencial para evitar o aumento das emissões de gases de efeito estufa. E, ainda, será barata, porque o país é o sétimo do mundo em reservas de urânio e é um dos dez que dominam o ciclo do combustível.


Mas todas essas teses, assim como ocorre em outros países, onde o debate sobre segurança e os riscos dos dejetos tóxicos que duram séculos estão candentes, não apresentam nenhuma unanimidade.


“Do ponto de vista do suprimento de energia, da segurança energética do país, o Brasil não precisa de energia nuclear”, afirma Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas.


O raciocínio do executivo do think tank brasileiro está baseado em duas premissas. Segundo ele, existe um potencial para a energia eólica do Brasil (inshore e offshore) de 1 milhão e 300 mil megawatts, enquanto a capacidade instalada do país é de 175 mil megawatts.


“Temos aí a grandeza do tamanho da possibilidade que o país tem de se suprir com a força do vento sem necessitar de uma energia que tem, além dessa desnecessidade, um segundo problema. Ela é muito cara”, afirma Leitão.


Pelos cálculos do Escolhas, Angra 3, para ser concluída, vai significar um custo 47% maior do que Angra 2. “A energia nuclear só consegue ser viabilizada com pesado investimento estatal. Para você concluir a obra, tem que buscar recursos no caixa do BNDES e no caixa da Caixa Econômica Federal.”

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